Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, de José Louzeiro
Por Júlia de Mello
“E a roda
girava, madrugada afora, gosto de sangue na boca, olhos vermelhos de ódio e
humilhação, cabeça estalando de dor.
Como fugir das
pás do moinho? Como interromper a correnteza do rio?”.
Essa
roda que gira madrugada afora não pode parar e passará por cima de nós,
marcando nossa destruição. Enquanto isso, “as horas batem sem sentido” no
relógio de José Louzeiro autor da obra Lúcio Flávio – Passageiro da Agonia
(1975, Civilização Brasileira).
Louzeiro,
escritor que foi repórter de polícia, foi também o escolhido de Lúcio Flávio
(fora da lei carioca) para contar as histórias de sua vida marginalizada.
Histórias essas que o autor transformou no romance reportagem Lúcio Flávio – Passageiro da Agonia.
Assim,
fundindo os gêneros jornalístico e literário, o autor narra a preparação de
Lúcio, o Noquinha, para ser um bom defunto, a ser velado pelo sistema
repressivo da ditadura militar brasileira. E documenta os desafios de se
chefiar um grupo de bandidos que não teme nem se submete à lei num período em
que ela era autoritária.
Reconhecido
nacionalmente por assaltar bancos e por fugir inteligentemente das prisões
ditatoriais, Lúcio estava imerso no sistema, subjugado pela força das pás do
moinho, sobrevivendo e/ou lutando contra a correnteza do Estado ditatorial.
Lúcio resistia ao regime político implantado com o golpe.
Exceto
pelo contexto, Lúcio se assemelha a Jacques Mesrine, o
inimigo público nº 1 da França. Este, um criminoso parisiense responsável,
assim como aquele, por inúmeros assaltos a bancos, assassinatos e fugas argutas
da prisão de segurança máxima. O fato é que ambos são pessoas e personagens que
não temem os limites impostos pelo Estado e, ao contrário, fazem troça e
usufruem deles.
As
irreverências de Lúcio que delineiam e contextualizam os ilimites do regime
ditatorial também são fruto desse mesmo regime que, tão contraditório que era,
reprimia e alimentava aquelas atitudes por ser, desde sua instauração, um governo
por si só corrompido e sem sentido.
Assim,
a história de Lúcio acaba sendo a história da hipocrisia do sistema político,
do cavalheirismo dos acordos de interesse entre a quadrilha e a polícia, a
história das torturas e do tratamento dado aos presos naquela época e, principalmente,
a história da falibilidade e da fragilidade de um sistema político erigido
sobre toda essa estrutura corrupta de conchavos e falcatruas. Estrutura em que
se silencia sobre uma coisa que existe e que procura destacar outra da qual não
se tem a menor ideia. Mais além, a história de Lúcio é a de alguém que não
temeu a situação e que participou dela como um meio de sobreviver ao acaso de
ter se tornado fora da lei.
E,
como tudo que é retratado durante o período ditatorial, não faltou a José Louzeiro,
mencionar o caráter esquisito do momento em que tudo parece fazer sentido,
menos o motivo pelo qual as coisas acontecem. Agonia.
“– A gente mata
tudo o que tá ao nosso redor e depois morre. Na verdade, só a morte existe. Me aperfeiçoo pra ela. Quero tá de
bom aspecto quando chegar”.
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