Padre Sérgio, de Tolstói
Por Nicolas Ferreira Neves
São muitas as associações possíveis de serem feitas
ao nome de Liev Tolstoi, autor que, ao lado de Dostoievski, é símbolo máximo da
chamada Era Dourada da literatura russa: falar em Tolstoi é falar no criador de
grandes romances como Guerra e Paz (1869) ou Anna Kariênina (1877);
é pensar na imagem profética do homem que, excomungado pela Igreja Ortodoxa
Russa, cria o tolstoísmo que influenciará pessoas como Gandhi; é lembrar do
aristocrata que abandonou a vida luxuosa para se dedicar por boa parte da vida
à educação dos mujiques e outros trabalhadores do campo; talvez falar em
Tolstoi seja ainda rememorar obras como A morte de Ivan Ilitch (1886)
ou Ressurreição (1899). E há, para além disso, o ensaísta, o
dramaturgo, o contista... a lista de atributos (literários ou não) estende-se
por linhas e linhas.
Poucas pessoas, porém, se lembrariam de Padre
Sérgio, narrativa curta escrita em 1890 e publicada em 1898. Trata-se de um
texto da segunda fase da obra do autor, marcada pela ruptura com os dogmas
cristãos, pela pregação antieclesiástica e pelo pacifismo, frutos da crise
moral e religiosa pela qual Tolstoi passou anos depois de publicar Anna
Kariênina.
Acompanhamos a vida de Stiepán Kassátski, ocupante
de um dos mais altos postos da hierarquia militar russa que, após uma desilusão
amorosa, abandona sua carreira profissional, seus bens e sua família (composta
pela mãe e por uma irmã) e parte para um monastério onde adotará o nome de
Serguei, ou Sérgio em português.
A ambição que o acompanhara em toda a sua vida fez
com que Sérgio logo passasse a ocupar um lugar de destaque dentro da
organização religiosa. Dividido entre a castidade e a luxúria, o personagem
acaba se isolando em uma ermida de onde conquistará a fama de santo e
milagreiro, fazendo curas e convertendo à santidade pessoas antes envoltas em
devassidão. Para além das mudanças sociais na vida de padre Sérgio,
acompanhamos suas crises religiosas, sua ruptura com a igreja e seus vários
questionamentos sobre a natureza e a necessidade da fé.
Trata-se de um personagem que congrega em si não só
as várias contradições de sua condição de um religioso que passa por seus
momentos de descrença, mas também aquelas contradições e dúvidas próprias da
nossa humana (demasiado humana) condição. O já conhecido talento do autor na
construção de suas narrativas cria uma prosa rápida e com personagens complexos
e densos que nada deixam a desejar quando comparados a Liévin (Anna
Kariênina) ou Pierre (Guerra e Paz), que povoam de seus grandes
romances.
Vale ainda lembrar o filme homônimo dirigido por
Yakov Protazanov, que levou ao cinema em 1917 toda a força narrativa deste que
poderia figurar como um dos melhores textos curtos escritos por Tolstoi.
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